Leia trecho de Gigantomaquia
Os Cavaleiros do Zodíaco assistem a uma peça de teatro. Mas algo muito estranho está para acontecer
Depois do intervalo, começa a segunda parte da peça: “Coéforas”.
Nove anos se passaram desde a morte de Agamenon. Seu filho Orestes, que havia sido enviado se-cretamente a um país vizinho, jura ao Oráculo de Delfos que irá vingar a morte do pai.
O estilo da apresentação é fiel ao teatro clássico, com atores mascarados e os mesmos efeitos de palco da Antiguidade.
Orestes retorna a seu país às escondidas para eliminar Egisto, com ajuda da irmã Electra, e acaba encontrando a verdadeira assassina de seu pai: sua mãe, Clitenestra.
Clitenestra suplica pela própria vida. Orestes fica dividido por alguns momentos, mas não abandona a convicção de vingar a morte do pai, conforme ordenado pelo Oráculo.
– Dei à luz uma serpente – diz a desesperada Clitenestra.
– Você matou quem nunca poderia ter matado. Por isso será condenada a um sofrimento que não deveria existir – Orestes golpeia Clitenestra com a espada, dizendo que ela não está sendo assassinada por seu filho, e sim por si mesma.
A rainha Clitenestra cai morta, espalhando o vermelho do sangue pelo palco. Matricídio. Todos os olhares da platéia se voltam para o Orestes mascarado, ainda segurando a espada com a qual matou a mãe. A notícia de seu ato hediondo chegará aos ouvidos das três Erínias, as deusas da vingança, que o levarão à loucura na terceira parte da Orestéia.
Mas tem algo de muito errado na apresentação de hoje. Nikol se levanta abruptamente, perplexo.
No teatro clássigo grego, um assassinato nunca pode ser encenado abertamente diante do público. É um tabu. A cena deve ficar implícita na narrativa ou acontecer fora do campo de visão da platéia. Pode-se ouvir o grito da vítima, por exemplo, mas é terminantemente proibido encenar a morte, os detalhes do crime. Nikol sabe que trair essa regra numa peça clássica seria algo inconcebível para uma companhia teatral grega, ainda mais numa apresentação no Odeon. E as coisas ficam cada vez mais estranhas.
– São dois? – sussurra Nikol, incrédulo.
No palco agora estão dois Orestes, usando a mesma máscara. Desde quando o outro estava lá? De onde ele surgiu?
O ator que interpretava Orestes até agora parece congelado pelo assassinato que acaba de presenciar. Mal consegue gritar quando seu outro “eu” vira a espada em sua direção e arranca sua cabeça, com máscara e tudo, num golpe preciso.
O teatro vem abaixo. Não é mais uma peça, a tragédia hoje é pra valer. O público desperta da comoção causada pela apresentação, passando da ilusão para a realidade em segundos.
O falso Orestes pula do palco e corre pela platéia agitando a espada suja de sangue. Shun sente que aquela energia mortífera é dirigida a ele. De fato, o homem por trás da máscara se aproxima rapidamente do ponto mais alto do anfiteatro.
A espada do assassino solta faíscas diante dos olhos de Shun, que se defende do golpe mortal com uma corrente que ninguém parece saber de onde surgiu. Ninguém entende, também, como um garoto franzino consegue conter todo o peso e a força do agressor.
– Quem é você? – pergunta o falso Orestes, com seus braços musculosos e poderosíssimos saltando do traje de palco.
O odor sutil que chega às narinas de Shun é o de uma fera faminta. Ele estica um pouco mais a fina corrente, que, neste momento, contrariando toda a lógica e surpreendendo a todos, acaba reduzindo a pó a pesada espada de bronze.
O assassino não parece se intimidar, e passa a lutar com as próprias mãos. Shun é o único que consegue acompanhar seus movimentos ultra-rápidos. Apenas Shun percebe quando ele se vira para Nikol e suspende o corpo do grego no ar, atirando-o com uma força sobre-humana contra uma parede de pedra. Mas nem mesmo Shun sabe onde está o agressor alguns segundos depois, em meio à confusão e ao caos generalizado do anfiteatro.
– Para onde ele foi?
O garoto, alerta, mantém a posição de luta com suas correntes enquanto protege Nikol. Nem sinal do Orestes mascarado, que já sumiu na escuridão da noite de verão em Atenas.