| A literatura brasileira em dez livros Do Barroco ao Modernismo, obras perfazem toda a história literária no país
POR RICARDO MUSSE
Não dispomos de obras coletivas de apresentação geral da literatura brasileira. O último empreendimento dessa estirpe, sob a direção de Afrânio Coutinho, acaba de completar meio século e, afora um estudo aqui e ali, importa mais como demonstrativo do modo com que se fazia crítica literária nos anos 1950. Assim, uma boa introdução à literatura brasileira demanda que se recorra a vários livros.
A tradição da história literária - marca registrada dos primeiros críticos e da geração de Sílvio Romero e José Veríssimo - atrofiou-se, cedendo lugar à monografia e ao ensaio. Alfredo Bosi é um dos últimos representantes dessa vertente. Trata-se do único crítico em atividade com estudos relevantes sobre todos os períodos e os principais autores da literatura brasileira. Dialética da colonização, seu principal livro, estrutura-se como uma história literária, ainda que sob a forma de uma sucessão de ensaios monográficos. As lacunas desse livro foram completadas em sua obra posterior com artigos sobre, entre outros, Machado de Assis, Lima Barreto, Cruz e Souza, Graciliano Ramos e Guimarães Rosa. Roberto Schwarz, autor de Ao vencedor as batatas
A sátira e o engenho procura, a partir da recepção da obra de Gregório de Matos, corrigir os equívocos da atribuição de procedimentos românticos e modernos a uma época em que a noção de autoria era outra, renovando a própria compreensão do estilo dito barroco. João Adolfo Hansen também escreveu importantes artigos sobre Anchieta, Vieira e Tomás Antônio Gonzaga, infelizmente, ainda dispersos.
Capítulos de literatura colonial articula, com rara felicidade, as competências que Sérgio Buarque de Holanda exerceu separadamente ao longo de sua vida e obra, os ofícios de historiador, sociólogo e crítico literário. A poesia épica e o Arcadismo são investigados à luz de uma série de procedimentos: a análise textual, a avaliação e a inserção das obras no complexo literário, o tratamento biográfico e historiográfico dos autores e dos estilos, a identificação de idéias e modos de sentir.
A obra de Antonio Candido, nosso mais influente crítico, também pode ser vista como um passeio pela história literária. Compõe-se de artigos ou livros sobre os principais escritores e abrange quase todos os períodos - com predileção pelo Romantismo e a ausência, justificada, do Barroco. Seu livro de maior impacto, O discurso e a cidade, contém dois estudos que se tornaram clássicos, um dedicado a Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida, e outro a O cortiço, de Aluísio Azevedo. Alfredo Bosi, que escreveu Dialética da colonização
Na vasta bibliografia sobre Machado de Assis destacam-se dois livros publicados quase simultaneamente nos anos 1970 - Machado de Assis: A pirâmide e o trapézio, de Raymundo Faoro, e Ao vencedor as batatas, de Roberto Schwarz. Em comum, o exame de Machado com o auxílio do arsenal teórico da sociologia e da historiografia, a preocupação em compreender o "realismo" machadiano e o acerto em colocar em primeiro plano um autor um tanto quanto desvalorizado por Mário de Andrade e pelo Modernismo. Faoro e Schwarz discrepam pelas referências intelectuais (um privilegia Max Weber, o outro Georg Lukács), pela compreensão das relações entre arte e sociedade e também pela ênfase na dimensão local ou universal da obra de Machado.
A dimensão da noite, reunião póstuma de escritos de João Luiz Lafetá, configura, ao mesmo tempo, uma introdução e uma síntese de uma trajetória crítica dedicada ao estudo do Modernismo nos anos 1920 e 1930. Examina esse período a partir da tensão entre "projeto estético" e "projeto ideológico", bem como por meio de ensaios monográficos.
A poesia modernista, tornou-se um assunto privilegiado da crítica. Foi abordada, sob os mais variados enfoques, entre outros, por Mário Faustino, Haroldo de Campos, José Guilherme Merquior, Luiz Costa Lima, Silviano Santiago, João Luiz Lafetá, João Alexandre Barbosa, Davi Arrigucci Jr. A margem de escolha é, portanto, amplíssima. Para indicar apenas um livro, sugiro Humildade, paixão e morte. A partir da análise exaustiva de alguns poucos poemas, Arrigucci desentranha os principais temas e as linhas de força não apenas da poesia de Manuel Bandeira, mas da própria poética do Modernismo.
Após as fases da experimentação formal e do engajamento político, o movimento modernista, nos anos 1950 e 1960, desenvolve um teor reflexivo de alta densidade. Não foi por acaso que a poesia tardia de Drummond, a prosa de Clarice Lispector e de Guimarães Rosa e o canibalismo de Oswald de Andrade tiveram entre seus primeiros e melhores intérpretes filósofos como Bento Prado Jr. e Benedito Nunes. Em O dorso do tigre, Benedito Nunes analisa, no calor da hora, a simbiose entre literatura e filosofia promovida por Clarice e Guimarães.
Nas malhas da letra, entre as diversas coletâneas de ensaios de Silviano Santiago talvez seja a que melhor dê conta da literatura posterior ao modernismo. Além do necessário balanço e avaliação de autores e temas contemporâneos, procura desenvolver uma perspectiva descolada da crítica modernista, abrindo espaço, por exemplo, para a valorização do pré-modernismo, uma tarefa levada adiante, entre outros, por Nicolau Sevcenko, Flora Süssekind e Roberto Ventura.
OS DEZ LIVROS
1) Dialética da colonização, de Alfredo Bosi (Cia. das Letras). 2) A sátira e o engenho - Gregório de Matos e a Bahia do Século XVII, de João Adolfo Hansen (Ateliê). 3) Capítulos de literatura colonial, de Sergio Buarque de Holanda (Brasiliense). 4) O discurso e a cidade, de Antonio Candido - (livraria Duas Cidades). 5) Ao vencedor as batatas, de Roberto Schwarz (ed. 34). 6) Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio, de Raymundo Faoro (ed. Globo). 7) A dimensão da noite, de João Luiz Lafetá (ed. 34). 8) Humildade, paixão e morte - a poesia de Manuel Bandeira, de Davi Arrigucci Jr. (Cia. das Letras). 9) O dorso do tigre, de Benedito Nunes (Perspectiva). 10) Nas malhas da letra, de Silviano Santiago (Rocco).
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