| A delicada relação entre mães, pais e embriões
16/03 - 12:20 - Paulo Moreira Leite
A visão de que um embrião é uma pessoa, que só precisa aguardar pelo prazo convencional de 9 meses antes de vir ao mundo como um cidadão como eu e você, integra o centro das objeções da Igreja Católica e de outras religiões para proibir as pesquisas com células-tronco embrionárias. Será que é assim mesmo na vida real? Para entender o delicado convivio entre pais, mães e os embriões mantidos em clínicas de reprodução assistida, conversei com casais, médicos e profissionais envolvidos no estudo das emoções humanas mais profundas.
A conclusão é que, colocadas diante de uma experiência absolutamente nova na história humana, homens e mulheres reagem como era de se esperar -- de acordo com sua visão de mundo e suas experiências de vida. Conforme diversos médicos, a reação típica é dar uma importância apenas relativa aos embriões. É natural: quem ingresssa numa clínica de reprodução humana, onde os embriões são produzidos em laboratorio, já está disposto a um convívio amistoso com aquilo que a Igreja Católica define como "manipulação genética" e Bento 16 classificou como "pecado capital" no domingo passado. Mas existem famílias – poucas -- que encaram o embrião como se fosse de fato um futuro filho. Eles recebem nomes e cuidados equivalentes e não se imagina que possam ser descartados. Como acontece em tantas experiências humanas, é possível ter a compreensão intelectual de um fenômeno – mas reagir emocionalmente de outra forma.
Dono de uma clínica que é referência no país e no Hemisfério Sul, que já levou ao nascimento de 6500 crianças por métodos de reprodução assistida, o médico Roger Abdelmassih é a maior autoridade brasileira no assunto. Em mais de duas décadas ele anotou um comportamento diferenciado entre suas pacientes. "A maioria das mães está preocupada com a gravidez e com a criança vai nascer," diz o médico. "Após a gravidez, muitos embriões ficam na clínica. Não são esquecidos. As mães apenas não pensam mais em sua existência. Mas existem pacientes que tem outra visão e não querem de jeito nenhum que sejam descartados. São casos muito raros mas existem. Neste caso, recebem todas as garantias de que suas condições serão respeitadas."
Conversei com um casal de físicos de Campinas que, católicos praticantes, faz o possível para seguir a orientação da Igreja Católica em todos os momentos da existência. Com dificuldade para ter filhos pelos métodos naturais, decidiram pedir ajuda a uma clínica de reprodução assistida. Antes disso, marido e mulher ouviram seu padre confessor, a quem expuseram o problema e as esperanças. O religioso pediu tempo para fazer consultas à Igreja e, dois meses e meio depois, retornou com uma resposta.
Eles poderiam tentar a reprodução assistida, pela qual o espermatozóide e o óvulo são unidos diante de um microscópio de laboratório. Mas não estavam autorizados a permitir que óvulos, espermatozóides e muito menos os embriões tivessem outra serventia além da reprodução de seus próprios filhos. Era preciso obter um compromisso formal, na clínica, de que seriam produzidos apenas o mesmo número de embriões destinados ao útero da mãe, e também a garantia de que nada seria descartado nem destinado a pesquisas.
O casal concordou e recebeu tais garantias da clínica. Numa primeira tentativa, foram gerados e implantados três embriões. Se todos tivessem se fixado no útero, eles teriam três filhos. Mas nenhum vingou. Agora, eles estudam o que fazer. Mas chegaram a dar nome aos embriões "e nossa relação com eles era a de pais e filhos."
Coerentes com essa visão, eles são contrários ao uso de celulas-tronco embrionárias em pesquisas científicas. "Como cientista estou convencido de que a verdade é uma casa que se explora através de duas janelas: uma delas é a ciencia e a outra, a religião," me disse o marido, que deu entrevista em nome do casal. Ele está convencido de que um embrião, no momento da formação "é um teorema matemático, com todos os elementos necessários à formação de uma pessoa, mesmo que ele fique congelado durante anos. Se não for interrompido o processo de desenvolvimento e se existe qualquer chance de vida, deve ser tratado como um ser-humano. Um recém-nascido, como um embrião, se não tratado devidamente, não tem chance de vida, nem por isso podemos fazer experiências científicas traumáticas ou destrutivas com ele. Não existe diferença entre o embrião e o recém-nascido, ambos tem tudo para se desenvolverem num ser-humano se devidamente cuidados. Entregar um embrião para pesquisas é interferir em sua vida. E eu pergunto que direito nós temos de interferir na vida de um embrião?"
Monica Dantas, empresária de Brasília, mudou sua visão no meio do caminho. No início ela e o marido também referiam-se aos embriões como "filhinhos." Mãe de dois filhos já crescidos, um deles na Faculdade de Medicina, no primeiro casamento Monica Dantas fez a ligadura das trompas. Quando pensou em engravidar novamente, já com um novo marido, procurou uma clínica de reprodução assistida. Grávida de seis meses, Monica Dantas diz que mudou sua compreensão depois de viver uma experiência particular com seus embriões congelados.
"Na hora em que são descongelados, muitos embriões ficam disformes, como um organismo que tivesse passado do tempo. Isso mostra que, naquele estágio não podem ser considerados vida humana, ainda. Muitos embriões são expelidos naturalmente pela mãe. Não tem autonomia nem vida própria. Só chegarão a essa fase depois de serem abrigados e alimentados no útero," explica Monica Dantas, numa visão que concorda com o voto que ministro Carlos Ayres Britto defendeu na sessão do Supremo Tribunal Federal ao anunciar apoio às pesquisas com células-tronco embrionárias. A empresária segue de perto o debate no Supremo e diz que "se a autorização não for proibida, pretendo doar meus embriões para as pesquisas. Não acredito em grandes descobertas para breve. Mas quero contribuir para diminuir o sofrimento de pessoas que poderiam ter uma vida melhor em função de avanços da ciência."
"Nunca ouvi uma paciente que tenha conseguido levar a cabo uma gravidez assistida mostrar-se preocupada com o destino dos embriões que ficaram na clínica. O filho que conta é o que está na barriga da mãe," diz a psicanalista Maria Rita Kehl. "Não existe uma relação maternal nem paternal com embriões." A psicanalista recorda que a relação amorosa entre pais e filhos é produto de um convivência que começa a ser construída quando o casal é informado sobre gravidez, escolhe nomes, faz planos para o filho e até imagina a carreira que vai seguir. "O embrião é gerado fora do corpo da mãe. Os pais sabem que a maioria dos embriões não será aproveitada."
Maria Rita Kehl discorda da visão segundo a qual um embrião descartado pode ser comparado a um aborto. "No aborto você retira um feto que está formado de dentro de seu corpo. É uma cirurgia para extraí-lo. O embrião não está dentro do corpo da mulher. É uma situação muito diferente."
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