40 anos de psicodelia Beatles, funeral, sons de animais e música indiana. Juntos, esses elementos resultaram em Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, álbum que influenciou muitos roqueiros e o tropicalismoPor Guilherme Bryan
Poucos discos se tornaram tão fundamentais para a história da música quanto o clássico dos Beatles, Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, que completa em junho 40 anos. Eleito em 2003 pela revista norte-americana Rolling Stone o melhor álbum de todos os tempos, são várias as razões que o tornaram tão emblemático, caso de sua técnica de gravação e até da concepção de sua capa.
Gravado em aproximadamente 700 horas em oito canais, com dois consoles de quatro canais (uma novidade para a época) e vencedor de 4 Grammys em 1967, entre eles o de melhor álbum do ano, o disco mistura orquestrações, sons de animais (como em "Good Morning, Good Morning", onde se escuta o cacarejar de um galo) e gravações tocadas ao contrário com rock, jazz e uma canção de forte influência oriental, "Within You Without You", a única faixa não composta pela dupla John Lennon e Paul McCartney, mas, sim, por George Harrison, que foi baseada na sonoridade do músico indiano Ravi Shankar.
"Para quem era fã dos Beatles, ele era muito diferente dos outros discos. Diria até que era esquisito e demandava uma certa paciência para ser escutado, pois trazia uma série de novidades, principalmente nas músicas. As melodias já não eram tão pop e os arranjos eram puxados para música clássica e indiana. Escutavam-se também vários instrumentos diferentes, como a harpa de 'She's Leaving Home' (tocada por Sheila Bromberg, a primeira mulher a tocar com a banda de Liverpool)", comenta o vocalista do Ultraje a Rigor e beatlemaníaco, Roger Rocha Moreira, que, na época em que o disco foi lançado, tinha apenas 11 anos.
Outro garoto na época, Kid Vinil, radialista, jornalista, cantor e que deve lançar em breve um almanaque do rock, tem outra opinião: "O Sgt. Pepper's é um marco da psicodelia, muito em função do resultado perfeito que os Beatles conseguiram nesse estilo, que já estavam presentes em seus álbuns anteriores, como 'Rubber Soul' e 'Revolver'. Desse modo, é possível afirmar que o Sgt. Pepper's foi o resultado final de toda a loucura psicodélica, tanto em termos de apresentação de disco quanto das orquestrações de George Martin, que foi fundamental para dar uma cara a esse trabalho".
O nome do álbum surgiu a partir de vários extensos que batizaram bandas psicodélicas ao redor do mundo. De acordo com Paul McCartney, ele foi concebido inicialmente com o propósito de soar como se todas as canções, emendadas umas nas outras, estivessem sendo tocadas pela Banda do Clube de Corações Solitários do Sargento Pimenta (Sgt. Pepper's Lonely Heart Club Band). Esse conceito, no entanto, foi abandonado logo após a gravação da segunda faixa, "With a Little Help From My Friends", que, curiosamente, começa com o vocal do baterista Ringo Starr, nomeado Billy Shears.
Na época em que o disco foi lançado, ele também foi motivo de discórdia em função da relação estabelecida entre a droga LSD e a primeira letra das palavras que dão nome à canção "Lucy In The Sky With Diamonds". Apesar de John Lennon alegar que a música havia sido inspirada num desenho de seu filho de quatro anos, ela foi proibida pela rádio BBC. Justamente a emissora que, com sua Radio 2, acompanha agora a regravação do disco por uma série de bandas conhecidas internacionalmente como Oasis, Killers, Travis e Kaiser Chiefs.
"Com Sgt. Pepper's, as letras passaram a ser mais introspectivas, e afetadas por experiências com drogas, LSD principalmente. Havia uma certa dúvida: 'Será que 'Lucy In The Sky With Diamonds' é LSD ou não?'. 'Ah, o John Lennon disse que é inspirado nos desenhos do filho dele'. Ou seja, os Beatles já falavam por metáforas naquela época e suas letras ficaram bem mais sugestivas e complexas", acrescenta Roger.
Outro fator que ajudou a aumentar a mística em torno do lançamento foi a possível morte de Paul McCartney que estava sendo anunciada pelos Beatles na emblemática capa do álbum. "Na época, surgiu um boato da morte do Paul e começaram a inventar algumas coisas que estavam presentes na capa do Sgt. Pepper's, como um possível velório, e que era escutado ('Paul is dead') ao girar a última faixa ao contrário", lembra Kid Vinil.
A BBC Radio 2 elegeu, no ano passado, a capa de Sgt. Pepper's, a melhor a alcançar o número um das listas de sucessos. Com projeto visual de Peter Blake e fotos de Michael Cooper, ela mostra os Beatles vestidos com coloridas e psicodélicas fardas de sargentos, como se estivessem num funeral, onde se vê uma guitarra formada por flores e plantas.
Eles estão em frente a uma colagem da imagem de pessoas famosas como Oscar Wilde, Marlon Brando, Sigmund Freud, Carl Jung, Marilyn Monroe, Bob Dylan, Aleister Crowley, Albert Einstein, Lewis Carrol, O Gordo e o Magro, Edgard Allan Poe e Marlene Dietrich, entre outras. Houve a intenção de incluir Jesus Cristo, o que não aconteceu em função de Lennon ter declarado, anos antes, que os Beatles eram mais populares do que a entidade religiosa.
Paul McCartney, também revelou em algumas de suas entrevistas que esse álbum é fruto de sua rivalidade com Brian Wilson, o líder da famosa banda de surf music dos anos 60, Beach Boys. Afinal, após escutar o disco Pet Sounds, ele achou que deveria, junto com os companheiros de banda, ir ainda mais longe nas experimentações e ousadias que haviam realizado em Revolver, de 1966. Esse desejo, misturado com seu interesse por música clássica, e o de George Harrison e John Lennon pela cultura indiana, e aliado ao trabalho elaborado e minucioso do produtor George Martin, resultaram nesse trabalho que sempre influenciou milhares de novos artistas ao redor do mundo.
As influências geradas por Sgt. Pepper's foram rapidamente percebidas. Já em 1968, o guitarrista Frank Zappa adotou uma paródia da capa do disco dos Beatles para a do seu álbum We're Only In It For The Money. Por sua vez, em 1978, o diretor Robert Sigwood realizou um filme com o mesmo nome do álbum e que foi estrelado por Bee Gees e Peter Frampton, mas recebeu muitas críticas negativas e foi bem mal de bilheteria. Kid Vinil cita que a influência continuou a ser percebida nos anos 1980 em trabalhos de bandas como Echo & The Bunnymen. "Essa influência é percebida também em muitos representantes do britpop dos anos 90, como Oasis, e até em bandas novas, que usam bastante a psicodelia, caso do Arcade Fire, que explora muitas novas sonoridades para colocar em suas músicas".
Em 1998, foi lançada a coletânea Pepperisms, que reúne uma série de canções inspiradas nas que compuseram o LP dos Beatles. Entre artistas canadenses, tchecos, húngaros e malaios, estão presentes os uruguaios Los Shaker's, os australianos Twligths e o sul-africano Quentin E. Klopjaeger.
No Brasil, as influências de Sgt. Pepper's foram sentidas com bastante intensidade, principalmente no movimento tropicalista, que começava a surgir em 1967 e tem como um de seus marcos inaugurais a canção "Domingo no Parque", composta por Gilberto Gil, arranjada por Rogério Duprat e que contou com a participação dos Mutantes. "Inclusive o fato dos Mutantes aparecerem fantasiados também foi uma inspiração nos Beatles, que começaram a mudar seu visual com o Revolver, mas acentuaram mesmo com o Sgt. Pepper's, numa época em que usar cabelo comprido, por exemplo, era quase como usar vestido (risos)", destaca Roger. "Os Mutantes se baseavam bastante no que os Beatles faziam e diria que o Rogério Duprat, que misturou música orquestral com a música popular brasileira, é uma espécie de George Martin brasileiro, tupiniquim", concorda Kid Vinil.