| A Itália tem a força, e o AC Milan tira vantagem disso
Rob Hughes
Bem ou mal, a força do futebol está inegavelmente de volta à Itália.
No ano passado, os italianos retornaram de Berlim com a Copa do Mundo. Na quinta-feira (24/5), alguns daqueles mesmos jogadores fizeram um segundo retorno a Milão, onde fogos vermelhos foram queimados durante a noite depois que o time deles, o AC Milan, derrotou o Liverpool por 2 a 1 em Atenas para reconquistar o troféu da Liga dos Campeões Europeus.
A seleção nacional italiana é campeã do mundo. E o clube italiano é o campeão da Europa. Campeões veteranos, e campeões donos de uma habilidade incrível e unicamente italiana quando se trata de manter os nervos sob controle, suportar finais emocionantes de forma a obter um triunfo a partir do que parecia uma tragédia iminente.
Outra evidência clara de maturidade é o fato de Paolo Maldini ter capitaneado o seu clube mais uma vez rumo ao ápice do futebol de clubes com a idade de 38 anos e 11 meses. Para Filippo Inzaghi, aquele atleta esguio e franzino, ganhar as suas batalhas com tal fragilidade física, aos 33 anos, e marcar os dois gols, é uma prova do seu talento persistente para fazer jogadas que os outros jogadores podem ainda estar tentando entender.
Ele ataca como um ladrão na noite, e faz isso de forma tão furtiva que zomba daqueles que lhe dão tão pouco valor a ponto de acharem que mal há lugar para esse jogador na lateral.
Silvio Berlusconi integra o grupo dos que duvidam de Inzaghi. Até a quarta-feira, Berlusconi, o homem que reconstruiu o clube e financiou as ambições da equipe nos últimos 21 anos, afirmou na mídia que, se houvesse escolha, a força, a juventude e o poder de Alberto Gilardino seriam usados no início da final, e Inzaghi ficaria de fora.
Quando as idéias do seu patrão foram apresentadas ao técnico Carlo Ancelotti, este refletiu: "É uma teoria". Ancelotti é um cara engraçado, evidentemente faz o que quer, e exibe uma habilidade com o uso das palavras que seria suficiente para que fosse político.
Quando "Il Presidente" estava dando tapinhas nas costas dos jogadores na pista de corrida do Estádio Olímpico no final da quarta-feira, em uma cena mostrada de Atenas pela televisão para o mundo inteiro, era evidente uma reticência notável com relação ao seu teimoso técnico, ou ao veterano e abandonado Inzaghi.
Isso não é para caçoar de Berlusconi. O seu Forza Milan é mais popular que o seu partido Forza Italia. Não há dúvida de que ele adora o seu clube. Ele escolhe os seus técnicos muito bem. E após fechar os contratos, deixa que os técnicos gerenciem o time.
Em 1994, a última fez em que a final da Liga dos Campeões foi disputada em Atenas - uma capital grega muito diferente daquela reformada para os Jogos Olímpicos de 2004 - o técnico de Berlusconi era Fabio Capello, e o time triunfou por 4 a 0 contra o Barcelona.
Desta vez, a quinta em que o Milan conquista sob a presidência de Berlusconi aquele que é efetivamente o mais importante título mundial de clubes, a vitória foi mais prosaica. E estava mesmo destinada a ser prosaica depois da disputa épica entre o Milan e o Liverpool em Istambul dois anos atrás, quando o Liverpool, que perdia por uma diferença de três gols, igualou o placar e venceu nos pênaltis.
A vingança pode ser um prato mais saboroso quando comido frio, mas em Atenas, após o dilúvio da tarde e no calor da noite, o sangue dos jogadores do Milan estava fervendo. "O jogo em Istambul foi melhor, e lá também jogamos mais", comentou Berlusconi à beira do campo. "Mas as finais são situações carregadas de muita emoção, e nem sempre quem joga melhor vence".
Eu ouso discordar. É verdade que o Liverpool contava com um maior ímpeto inicial, e pagaria caro pelo fato de ter desperdiçado chances com Jermaine Pennant e Steven Gerrard. Mas havia uma determinação correndo pelas veias dos italianos, um conhecimento acumulado com anos e anos e de experiência européia, um vigor paciente e calculado que parecia sinistro sob a ótica do Liverpool.
Certamente o primeiro gol, quase que a última atividade do primeiro tempo, pareceu ser obra da sorte. Pippo Inzaghi diz que não. Ele alega que foi uma jogada ensaiada na qual Andrea Pirlo cobra uma falta aparentemente sem pontaria, na qual a bola é desviada pelo ombro de Inzaghi entrando no ângulo oposto àquele esperado pelo goleiro.
Um truque. E se for verdade, talvez ilegal, já que a bola atingiu Inzaghi na parte superior do braço, e se ele pretendia desviá-la, foi mão. A única reclamação do Liverpool em relação ao gol foi a de que o juiz Herbert Fandeu teria marcado uma falta duvidosa.
Sim, houve uma cutucada de Xabi Alonso em Kaká. Sim, tecnicamente foi uma falta. Mas levando-se em conta aquilo que Gennaro Gattuso e Alonso fizeram de outras vezes, tendo saído impunes - faltas realmente graves - o tiro livre marcado por Fandel perto da área do Liverpool foi um presente.
A partir daí, até o segundo gol, muito superior, de Inzaghi, a oito minutos do final do jogo, o Milan conteve o Liverpool e controlou o seu destino. Quando Inzaghi surgiu em cena pela segunda vez, ele o fez no momento exato para evitar a armadilha do impedimento. Kaká lhe deu um passe incisivo e rasteiro, e a seguir Inzaghi driblou o goleiro Pepe Reina, que avançava sobre o atacante, e lançou a bola de forma desimpedida, calma e precisa no fundo do gol.
Já se disse a respeito de Inzaghi, por ninguém menos que o renomado Johan Cruyff, que ele não é um jogador de futebol, mas simplesmente um finalizador. O finalizador atende aos objetivos do Milan, assim como atendeu os da Juventus.
"Super Pippo", um solteirão que vive apenas para o futebol, conta agora com dois títulos da Liga dos Campeões para cada clube - e acumulou 38 gols em 66 jogos da liga. O seu recorde europeus de gols marcados, 58, é maior que o de Andriy Shevchenko por dois gols, e está apenas cinco gols atrás do recorde de Gerd Müller.
Não há dúvida de que o nome de Inzaghi ficará inscrito nas nossas memórias desta final. Até mesmo os torcedores do Liverpool, tentando estimular os seus jogadores a dar mais do que podiam, e cantando "You'll Never Walk Alone" até quase despertarem os deuses da Grécia, sentiram que o melhor time venceu.
O consolo deles, um gol tardio de cabeça marcado por Dirk Kuyt, foi o resultado da cautela que persuadiu o técnico Rafael Benítez, do Liverpool, a dar início ao jogo com um único artilheiro. A contenção foi a tática de jogo do Liverpool. Não foi uma má tática, mas ela raramente possibilitou que o time liberasse jogadores para realmente avançarem contra o suposto calcanhar de Aquiles do Milan: a sua defesa composta de jogadores velhos.
"O Milan continua tendo uma mentalidade diferente para jogar e para viver", disse Maldini após o jogo. "É o único clube que mantém os seus jogadores acima dos 35 anos de idade. Ele não avalia os jogadores meramente pela idade".
Maldini pretende passar por uma cirurgia, a sua atual rotina regular de verão, e retornar para mais disputas na próxima temporada. "O quinto é ainda belo", disse Maldini referindo-se ao seu quinto triunfo na Liga dos Campeões em 23 anos como jogador profissional. "Mas quero continuar jogando, e seria muito bonito alcançar novamente esse resultado".
Bem colocado, e muito apreciado. Gattuso, o guerreiro do Milan e um dos duplos vencedores da Copa do Mundo e da Liga dos Campeões em um único ano, resumiu tudo de forma caracteristicamente mais simples: "Hoje são os jogadores do Liverpool que estão chorando como bebês, como nós dois anos atrás".
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