Fracasso de público e desorganização mancham Mundial no Brasil
Giancarlo Giampietro e Vicente Toledo Jr.
Em São Paulo (SP)
O Brasil terminou o Mundial feminino de basquete sem medalha, mas sua maior derrota no torneio aconteceu fora de quadra, na organização do torneio. Público baixo, confusão com ingressos, pouca divulgação, goteiras e vários outros detalhes contrastaram com o brilho da dedicação das jogadoras brasileiras dentro das quatro linhas.
Folha Imagem
Voluntário se esforça para secar a quadra molhada pelas goteiras no Ibirapuera
"O Brasil é um país com problemas além do basquete. Tem tradição esportiva para receber e merece mais eventos, se candidatou para receber os Jogos Olímpicos. Mas não se pode fazer desse jeito", criticou Patrick Baumann, secretário geral da Fiba (Federação Internacional de Basquete), ao final da primeira semana do torneio.
Depois do alerta, o suíço deixou o país, e a entidade baixou o tom das críticas. Em sua análise final, o presidente Bob Elphinston não fez nenhuma menção - positiva ou negativa - à organização do evento. Preferiu elogiar equipes, jogadoras, campanhas contra as drogas e o desenvolvimento da modalidade entre as mulheres.
Mas o silêncio da Fiba não significa que os problemas apontados por Baumann foram solucionados para a segunda metade do Mundial. O principal sintoma da desorganização dos dirigentes brasileiros foi a pequena presença dos torcedores nas arquibancadas. Segundo os números oficiais, um total 96.440 pessoas compareceu aos ginásios (73.882 ingressos foram vendidos), mais de 100 mil a menos do que na edição de 2002, na China.
Várias falhas de organização, algumas delas ocorridas bem antes do início do torneio, explicam esse fracasso de público. O atraso nas obras do ginásio do Maracanãzinho obrigou os organizadores a mudar uma das sedes do Rio de Janeiro para Barueri, reduzindo bastante a expectativa de público para os jogos que não envolviam o Brasil - a maior audiência registrada em Barueri foi de 3.500 pessoas, no dia 14 de setembro, quando aconteceu o primeiro duelo entre EUA e Rússia na rodada de encerramento da primeira fase.
CAMBISTA, BANHEIRO E COMIDA
Estive no primeiro jogo Brasil x Austrália e estou revoltado com a organização do evento. Cheguei ao ginásio cerca de 45 minutos antes do início do jogo. Para começar, não havia vagas para estacionamento, nem orientação e policiamento suficientes. A fila para compra de ingressos era enorme, dava volta no ginásio, e só tinha um funcionário controlando a entrada na bilheteria (literalmente segurando o portão no braço). Os cambistas estavam fazendo a festa, vendendo ingresso pelo dobro do preço. Eles, inclusive, estavam furando a fila e forçando o portão da bilheteria para entrar. Na maior cara dura, entravam e saíam, e não tinha um policial sequer para coibir. Quando finalmente consegui entrar no ginásio, no final do primeiro quarto, vi indignado que ainda havia muito espaço vazio, mesmo com tanta gente de fora tentando entrar. Isso tudo sem falar no serviço de comida e nos banheiros do ginásio. Extremamente precários, um nojo, uma vergonha. (Eduardo Bonilha)
A divulgação do torneio para os torcedores também foi falha e gerou reclamação por parte da empresa responsável pela comercialização dos ingressos. "Começamos a vender o Mundial no começo de julho. A procura não tem sido grande, pois ao meu ver falta divulgação", declarou Fernando Silva, diretor executivo da BWA, dias antes da abertura.
Além disso, os horários dos jogos não ajudaram. Para atender às exigências da TV aberta, os jogos da seleção brasileira foram realizados em período comercial durante a semana. Nos finais de semana, as partidas foram disputadas às 9h30. "Precisamos do basquete na TV aberta. Então, se for para perder duas ou três mil pessoas no ginásio, prefiro que 10 milhões possam ver o jogo em todo o Brasil", justificou o presidente da CBB, Gerasime Bozikis.
"(A transmissão em TV aberta) Fez com que os brasileiros pudessem ver (a ex-jogadora) Hortência falando do esporte ao vivo. Muitas crianças também puderam assistir. É algo que pode renovar a seleção brasileira no futuro", disse Baumann. "Mas estamos falando de uma das cidades mais populosas do mundo, isso não deveria importar. O ginásio poderia estar cheio sempre, é questão de organização."
Diante de tudo isso, o Mundial demorou a "emplacar". No primeiro dia, o ginásio do Ibirapuera recebeu pouco mais de quatro mil pessoas (de acordo com números oficiais, já que a estimativa da polícia militar era de aproximadamente mil pessoas). No segundo, já com a presença de alunos de escolas convidadas, o número subiu para cerca de seis mil.
"Eu calculava isso para as primeiras partidas. Não é nenhum problema de organização. Acreditem, é difícil chamar público para a fase inicial de qualquer campeonato", disse Bozikis. Quando o público finalmente "descobriu" o torneio, teve que enfrentar a falta de preparo dos organizadores para conseguir entrar no ginásio do Ibirapuera.
GINÁSIO VAZIO, FILA LÁ FORA
Conforme matéria da Folha de S.Paulo, os ingressos poderiam ser comprados pelo site
www.ingressofacil.com.br. A opção, na realidade, revelou-se não só difícil como inviável. Na quinta e sexta-feira, eu tentei comprar os ingressos, e não foi possível. Como realmente gostaria de ver o jogo do Brasil contra a Lituânia (apesar do horário absurdo), fui ao Ibirapuera para comprar. Cheguei às 20h, após sair do trabalho e encarar o trânsito paulistano. A bilheteria estava aberta, mas não vendia ingressos. Uma funcionária me informou que eu poderia comprar no próprio sábado, a partir das 7h30. Como seria meio cansativo acordar bem cedinho, após um semana de trabalho, assisti ao jogo pela TV. Em seguida fui ao Ibirapuera comprar ingressos para o dia seguinte. Chegando lá, havia uma tremenda fila e ainda chovia! Mesmo assim, encarei a garoa e fiquei por lá. A fila não andava. Havia duas bilheteria abertas. Nenhum informação visual ao lado das bilheterias. Com isso, cada pessoa chegava lá e fazia as perguntas habituais, demorando no atendimento, que já não é muito ágil. Resultado: fiquei 1h30 na fila para comprar dois ingressos. Eu soube que nos últimos jogos da seleção brasileira, o ginásio estava vazio e lá fora a fila de pessoas para comprar o ingresso era imensa. Como a venda é lenta, as pessoas foram entrando muito atrasadas para assistir. (Fátima)
Vários fãs do basquete enviaram emails ao UOL Esporte reclamando da falta de informações corretas, do pouco número de bilheterias disponíveis no Ibirapuera, das longas filas e da ação livre de cambistas (veja os quadros). Boa parte do público deixava o ginásio após os jogos do Brasil. No sábado passado, a final entre Austrália e Rússia foi "salva" pela abertura dos portões internos, que permitiu a concentração de público no anel inferior.
Outro problema que manchou a imagem do evento foi o reflexo da chuva no Ibirapuera. Nos dias de mau tempo, goteiras acrescentaram um elemento incomum no jogo de basquete: água. "Basquete não é que nem futebol, em que se pode jogar com chuva. Um Campeonato Mundial não pode ser realizado nessas condições. Foi muito perigoso", disse o técnico russo, Igor Grudin, que viu uma de suas atletas bater a cabeça em quadra após escorregão.
A repercussão negativa levou a Secretaria de Estado da Juventude, Esporte e Lazer - responsável pela manutenção do Ibirapuera -, a divulgar um comunicado oficial prometendo "tomar todas as providências jurídicas necessárias" contra a empresa SAC (Serviço de Engenharia e Construções), que recebeu R$ 174 mil pelo serviço de impermeabilização da cúpula do ginásio, "no sentido de reparar os eventuais prejuízos ocasionados pela não perfeita execução dos serviços contratados".
Se não chamaram a atenção por não envolver a ação em quadra, outras falhas deixaram a organização do Mundial ainda mais longe do ideal. Mesmo tendo enviado seus pedidos de credenciamento dentro do prazo estabelecido (1º de julho), a grande maioria dos jornalistas só recebeu seus crachás de acesso às áreas destinadas à imprensa durante a competição. Muitos deles usaram credenciais improvisadas até o final.
Outro erro que atrapalhou a cobertura jornalística do evento foi a discrepância entre as estatísticas divulgadas no site oficial e as entregues em papel aos repórteres dentro dos ginásios. Com as duas fontes registrando números diferentes, a credibilidade das informações ficou comprometida.
FUNCIONÁRIOS DESINFORMADOS
Eu sou uma admiradora do basquete, e estou tentando ir ao jogo de estréia para torcer pelo Brasil. Por incrível que pareça, após tentar por quase uma hora um contato com a venda de ingressos do Ibirapuera (ora estava ocupado, ora ninguém atendia), a atendente disse que não tem ingressos à venda para este jogo. Achei estranho o que ela me disse, pois os meios de comunicação estão dizendo que a procura dos ingressos está baixa. Infelizmente, eu gostaria de prestigiar o nosso time, mas não consegui. (Patrícia)
Ações de marketing, venda de produtos oficiais e comercialização de cotas de patrocínio foram, no mínimo, tímidas. No Ibirapuera, havia apenas uma banca vendendo produtos com a marca do Mundial, a preços altos para os padrões brasileiros (R$ 40 por uma camiseta). Pôsteres, outdoors, inserções de mídia, quase nada foi feito para "wender" o evento. E só com o Mundial em andamento uma rede de lanchonetes estampou sua marca nos dois garrafões do Ibirapuera.
"Toda confederação ou entidade esportiva tem de crescer com a experiência. A CBB aprendeu uma lição com o Mundial, e não é um aprendizado simples. Se usarem essa lição para o futuro, certamente vai conceber um evento melhor", aconselhou o secretário geral da Fiba.
Na final, quando a seleção australiana subiu ao pódio para receber suas medalhas de ouro, a comemoração ficou por conta dos profissionais de imprensa. Os tubos que jogariam papel picado em cima das jogadoras, na verdade, acabaram cobrindo os jornalistas que estavam na lateral da quadra. Um desfecho preocupante para um país que tenta convencer o mundo de que é capaz de organizar Olimpíadas e Copa do Mundo.